quarta-feira, 17 de julho de 2019

Chilreio


"Dormir na roça e poder Ouvir os grilos tocando seus cavaquinhos ao longe,  é uma dádiva.

Ter um grilo dentro de casa ecoando o seu ruído infernal em todos os comodos  é um convite a loucura.
(...)
Tem coisa que só é boa de longe."


24/07/19 21:00h

terça-feira, 16 de julho de 2019

Make, camera, padrão...


Não dá para guardar um candeeiro aceso debaixo da cama e pensar que não haverá conseqüências... 
Pois o fogo mastiga tudo e todos sem misericórdia e sem acepção, se alastrando como a peste. 

Pelo mesmo motivo não dá para disfarçar a intolerância, maquiar o asco ou esconder o ódio. 
Pode até tentar, mais a opinião tóxica, aquela que tentam suavizar com palavras neutras, tons brandos e discursos de fé,
transparece na face.
 Ela esquenta, sovela e rompe a pele da aparência derramando uma torrente gordurosa de pus. 
O seu odor infecta e apodrece a fibra frouxa dos mais fracos de compreensão. 

 Não há blush que embeleze o tumor da alma.

(meditando às pressas antes do almoço, 15.07.19)



terça-feira, 28 de maio de 2019

Limpe a lente, fí!




Não adianta forçar a barra 
Você sabe quando não ha esperança
Tem gente que é tristeza destilada
Que é angustia em carne viva

O hálito pode ser de menta
Mas as palavras Co2 puro e simples
Ficar perto arrebenta os pulmões
Demorar-se ali, intoxica o sangue
O seu toque é nicotina em doses alopáticas
Parece aplacar a ânsia, mas é ledo engano

Eis a questão:
 Usar mascara de gás e roupão impermeável
pondo uma camisinha na existência
Ou buscar novos ares?
Porque pro inchaço da alma
Não há faceotomia que dê jeito!

 (depois do almoço que não comi)
13:11 horas 
28/05/19

segunda-feira, 13 de maio de 2019

O outro filho da nossa mãe




O outro filho da nossa mãe tem dentro de si um irmão virtual. 
Não nasce irmão mas pode vir a sê-lo.
Há quem veja o oceano de experiências possíveis e agarre a chance. Também há quem desperdice a oportunidade. 
Fico refletindo no quanto desperdiço...
Fico de luto por mim e pelos meus que perdem...

(Reflexão sobre a morte do irmão do meu Irmão)
(06/05/19)

domingo, 5 de maio de 2019

Deseja um cafezinho? Ou quem sabe umas quitandas?




Deseja um cafezinho? Ou quem sabe umas quitandas?


- Não obrigado. (respondi).
- Tem certeza, posso passar um café agora para você.
- Achei que já tava pronto! Vai assar os biscoitos também?! (risos)
- Não, já comprei, compro todo fim de tarde.
- Metodicamente?
- Sim! (riu um riso de boneca barata).
- Você ta bem?
- Estou. Por que?
- Parece desconfortável.
- Como?!
- Estou tentado dizer que parece que existe um cacto invisível entre você e o encosto do sofá, te deixando em uma posição que, a meu ver, as pessoas não suportam ficar por muito tempo.
- Cacto? (riu sem mover as sobrancelhas, rosto, braços e pernas).
- (Silêncio)...
- Aceito um copo d’água.

O improviso não passou de um clichê barato, mas sob clima rarefeito, só deu pra pensar nisso. Precisava fazer uma pausa silenciosa aqui. Ganhar tempo. Cacto? Acredito que no contexto que usei essa palavra ficou clara, mas, fiquei intrigado com as estranhas possibilidades de significados que “cacto” pode vir a ter quando vem unitária em uma exclamação, seguida apenas por um rosto pouco expressivo e um corpo inerte. A dúvida ecoou. Confesso que fiquei preocupado. Aprendi logo cedo que pessoas que riem sem mover as sobrancelhas geralmente têm problemas sérios.

Ela retornou com a água e sentou em outro sofá. Manteve-se à mesma distância de mim e repetiu a pose. Tomei a água como se fosse suco e fiz perguntas que implicam em respostas pessoais. Ela respondeu de forma barroca. A voz era dela mas as palavras e idéias, de um idoso antiquado. Não pensou, replicou.

Tentei ser otimista, mas sou péssimo nisso. Meu esforço durou apenas meia hora. Longa meia hora. Então, olhei para ambos os lados, agradeci a água, criei um compromisso sem título, me levantei e me despedi. Ela me cumprimentou de longe e de leve, segurando meus dedos com as pontas dos seus dedos e olhando para minha gola. Ficou claro como a água, não havia motivo para estar ali.

Saí ao léo, sentei num banco de praça e paguei um pastel a um mendigo bêbado. O pasteleiro, o bêbado, eu e uns pardais comemos e rimos muito enquanto o sol do fim da tarde aquecia meus cabelos. A boca da noite veio sorrindo, e eu a beijei feliz.

Um tempo depois fiquei sabendo que aquela moça gostava de mim. Ela disse a alguém que gostava da minha companhia, que eu era bom de papo e engraçado. Saber disso deu algum sentido ao convite mas, Deus, que moça estranha. 

Ela tinha a feição e a voz agradável, contudo, a formalidade gratuita deixava seu olhar opaco. Afugentava a vida. Parecia uma casa vazia.

Cá entre nós, mesmo sabendo do seu apreço não destilei uma gota sequer de culpa. E que formalidade me cansa, não tem outra forma de dizer isso. Peraí, acho que tem: a formalidade é tóxica, apodrece até os ossos. Sério. Sei que soa estranho para alguns, mas é que ultimamente tenho me deparado com muita gente que confunde educação com formalidade e pior, é formal até dentro de casa. Ora, se vou à casa de alguém como pessoa e não prestando um serviço, estou cedendo uma fatia do meu tempo de vida. Estou “vivendo com essa pessoa” por alguns momentos. Isso é coisa séria. Meu tempo de vida é muito precioso, pois, ao que tudo indica, só tenho essa chance de viver, então, da mesma forma que não quero gastar muito dinheiro comprando um objeto de pouco valor, também não quero disponibilizar meu tempo de vida consciente com alguém que senta em seu próprio sofá de forma visivelmente desconfortável, coluna reta, queixo erguido, vestindo um traje que sei que ela não usa costumeiramente e diz:

“Deseja um cafezinho? Ou quem sabe umas quitandas?"

Bizarro. Parecia que ela estava tentando esconder um corpo. No primeiro momento fiquei assustado. No segundo pensei em fazer sala, coisa que odeio, só para mantê-la naquela posição alguns instantes mais, por pura pirraça. Ouvir: “Deseja um cafezinho? Ou quem sabe umas quitandas?” soou plástico demais pra mim. Me oferecer um café assim já é o cumulo da formalidade, a pose e a conversa seguinte foram como colocar na boca uma moela inteira e descobrir que está cheia de pedriscos por dentro. Eu tinha que sair pra cuspir.

- “Aceito um copo d’água.”

Disse isso tentando ter esperança e boa fé. Não quero soar extremista, a formalidade é uma ferramenta útil, casa bem com ambiente de trabalho, vendas e apresentação de projetos. Só! Quando um humano procura outro humano, assim de forma espontânea, é porque ele quer vivenciar uma troca afetiva. Nesses casos um escambo de memórias quase sempre cai bem. Mas esse tipo de negócio afetivo só funciona bem em ambiente propicio e adornado de frases e gestos ora belos ora deselegantes, desses regidos pelo improviso sincero. Esses elementos em conjunto são muito envolventes. A eles se dá o nome de espontaneidade. Esta, por sua vez, é uma das virtudes mais importantes para que ocorra uma troca/relação afetiva singular, ou seja, marcante. 
Todos nós temos um anel sinete, a nossa identidade. Quem realmente somos. As vezes essa joia fica perdida, sufocada pela pilha de entulho das memórias mal resolvidas, dos preconceitos hereditários e tradições familiares. Geralmente alguém assim é um desconhecido pela própria família. Nunca conheci uma pessoa formal bem resolvida, leve e realmente feliz.
Se alguém deseja ser único e marcante, precisa deixar de se esconder, encarar a realidade, impor/apresentar-se à família e amigos, deve soltar as amarras da alma. Deve vestir a própria pele, rir seu próprio riso a vontade, fazer o que gosta e falar do que gosta.
Apenas quem trilha esse caminho é realmente conhecido pela sua família e amigos. Quem enfrenta o desafio de ser quem é não precisa se esconder atrás do monturo da formalidade doméstica. 
Quer me conhecer? Me convide para um café na cozinha, traga uns biscoitos de leveza, sente-se como se estivesse só. Deixe o viajante que abita em você trocar umas fatias de memória com o viajante que abita em mim. Vale até falar de boca cheia só não vale ser formal. A formalidade brocha a minha alma.

Rômulo Rangel

sexta-feira, 26 de abril de 2019

O sonho abandonado




Cão sem dono, Gato arisco 
Cavalo, sem cela, abatido 
Rato colono, pardal corisco 
Nos, na mesma avenida 
No mesmo sentido 



O mendigo, o bebum 
O vulgar e o desprezado 
O Barato e o comum 
O sonho abandonado
São, quase sempre, um.... 

(18:50) 18.04.15

sexta-feira, 15 de março de 2019

Lagoa do DERBA




Lagoa do DERBA

Vou te contar um uma história, ela aconteceu em Jequié na Bahia, senhora do engenho de minha alma. É sobre algo e onde. É bem verdade, essa cidade é difícil de ver de longe, pois fica velada, abraçada pela ciranda de montanhas que a cerca. Mas pra quem vem do litoral, passando por Ipiaú já vai conhecer uma pontinha dela que se estende para fora do cerco, cobrindo o então Vale El D’ourado, vulgo Morro dos Urubus. Logo ali a diante ao sopé da ladeira do Clube dos Maçons, ladeando o cemitério antigo está a Lagoa do DERBA, nome que pegou emprestado da antiga usina de asfalto, hoje extinta, que ficava as suas margens. Eis o palanque da narrativa.
Esse terreno privado, nunca cercado, mutante diante da valsa oscilante das intempéries do clima, passa alagado o período discretamente invernoso do ano. As mães mais cuidadosas admoestavam seus filhos a evitar passar pela orla da lagoa devido os muitos perigos. Os mais velhos fazem questão de lembrar que, no cemitério, em passado próximo, para se vagar carneiras para os novos inquilinos “permanentes”, os ossos secos dos mais antigos, desses mortos a muito não visitados, eram levados para tomar “baínho” e se refrescar à luz do luar. Junto a estes também eram deitados corpos frescos, resultados de desavenças, ciúmes ou crimes. Ambos, como em um casamento arranjado, afundavam juntos, em sua lama de mel derradeira.
Mas, na estiagem mingua-se a lagoa e nesse lento adeus, deixa em possas rasas, anfíbios mil em seus vários estágios, e peixes pulmonados com seu característico olhar de surpresa. Todos ali, na bizarra vitrine das garças que com seus hashis, escolhem a dedo as peças que mais lhe apetecem. Vagam também, pisando em ovos, os socós e seriemas, três dos animais a fartarem-se na seca. As aguas, mornas pelo sol, dissipam-se na velocidade das nuvens e não há aves que sejam suficientes para recolherem na gaiola de seus ventres todos aqueles bichos húmidos. Parece até que aqueles seres reluzentes derretem ao sol, se dissolvendo em seu próprio muco, transformando-se em um fino pântano de podridão, cujo odor invasivo atinge até meados do Colégio Polivalente cobrindo a tudo e a todos como um grosso cobertor flamejando à mercê de ventos cálidos. Em poucos dias (mais que suficientes), o sol se encarrega de mumificar os corpinhos que os vermes sobejaram. Pisando bem esses fantoches pálidos e crocantes, o fundo da lagoa, raso e plano, é promovido a campinho para o bába dos carinhas. Esse futebol feito nas cochas, acontece ali, num vão estranho. Entre duas traves de paus tortos fincados com força e careta, um menino pardo de cabelo empoeirado anda como equilibrista, medindo a distância com rigor. A divisão é pratica: um time com camisa contra o outro, sem camisa. O time mais fraco pode ter um a mais. A partida se inicia brusca. Entre um gol e outro, a falta é certa. Grandes e pequenos, todos “chegam quebrano” mas ninguém pede tempo. Manca-se um passo ou dois e logo apruma-se a marcha. Como um cachorro, aperta os olhos, inclina a cabeça para frente e espera a sua chance de “picálaporra”. Haverá ombro ralado e boca pocada. Ninguém liga. Aquele jogo é diversão e escola para a vida.
Na Lagoa do DERBA, por cima de ossos sem nome, a vida insiste, se choca e ferve nervosamente nos corpos desses meninos feitos de espinho, barro e cuspe.